O homem de todos os tempos recorreu aos
mitos para transmitir a experiência.
Quando estudamos a trajetória dos seres humanos, desde os tempos mais remotos, percebemos que eles sempre se preocuparam em buscar explicações sobre as origens, sobre o sentido da vida, da morte... e dos acontecimentos aparentemente inexplicáveis que ocorrem à sua volta.
O homem primitivo habitava um mundo que ainda não compreendia e tinha de se defrontar com fatos e fenômenos que lhe causavam medo. Para torná-los compreensíveis e, conseqüentemente, afastar o temor e a insegurança, desenvolveu uma espécie de linguagem interpretativa, o mito, que explicava o mundo de forma alegórica ou poética, atribuindo a origem de tais fenômenos a deuses ou a seres que transcendiam os limites humanos. O mito pode ser definido, assim, como uma história sagrada, simbólica, que dá ao homem condições de se apropriar do mundo e modela comportamentos. Dessa forma, contribui para a perseverança da cultura.
Por meio do sobrenatural, do transcendente, os povos primitivos tinham condições de lidar melhor com a realidade, situando-se de forma espontânea no mundo. As várias culturas trazem mitos sobre a origem do mundo, da tribo, do homem, dos vegetais, dos animais, da alegria, da dor, etc.
Homens de todos os tempos recorreram aos mitos para transmitir a experiência do sagrado, do divino. Apesar de não se orientarem por um raciocínio lógico, essas narrações simbólicas são uma forma metafórica de transmitir conhecimentos que vão além das categorias do pensamento, mas são fundamentais para a sobrevivência do ser humano em meio a um mundo hostil. A mitologia baseia-se na crença de que existe um nível invisível, desconhecido por nós, que sustenta o que é visível. Os mitos nos abrem a dimensão do mistério do Universo.
Uma vez que não somos apenas razão, importante compreendermos a função exercida pelos mitos em nossas vidas. Tal conhecimento nos dará possibilidade de ter uma visão mais ampla da realidade humana.
A leitura apressada, na busca do sentido do mito, pode nos levar a pensar que se trata apenas de uma maneira fantasiosa de explicar a realidade ainda não justificada pela razão. Essa compreensão do mito não esconde o preconceito comum de indendificá-lo com as lendas ou fábulas, e portanto como uma forma menor de explicação do mundo, prestes a ser superada por explicações racionais.
No entanto, a noção de mito é complexa e mais rica do que essa posição redutora. Mesmo porque o mito não é exclusividade de povos primitivos, nem civilizações nascentes, mas existe em todos os tempos e culturas como componente indissociável da maneira humana de compreender a realidade.
Os contos de fada, as histórias em quadrinhos, sem dúvida nenhuma trabalham com o imaginário e mitos universais como o do herói e o da luta entre o bem e o mal. Examinando as manifestações coletivas no cotidiano da vida urbana, descobrimos componentes míticos no carnaval, no futebol, ambos com manifestações delirantes do imaginário nacional e da expansão de forças inconscientes.
Podemos ainda nos referir a um artista famoso como um mito: James Dean como o mito da "juventude transviada" ou, então, Marilyn Monroe ou Madonna como mito sexual. A lista possível das conotações diversas que o mito assume não termina aqui. Apenas quisermos mostrar como um conceito tão amplo e rico não se esgota numa só linha de interpretação.
O mito não é resultado de delírio, nem uma simples mentira. O mito ainda faz parte da nossa vida cotidiana, como umas das formas indispensáveis do existir humano.