O termo iconoclasta deriva do grego eikonoklástes - aquele que destrói ícones. Sua origem está atrelada ao dogma religioso presente nos Dez Mandamentos, segundo o qual as pessoas não devem adorar imagens. Modernamente a palavra é empregada num sentido mais amplo, identificando aquelas pessoas que quebram regras, paradigmas, que fazem coisas que os outros dizem que não podem ser feitas. Esse é o tema do ótimo Iconoclast: a neuroscientist reveals how to think differently (Harvard Business Press, 2008).
O primeiro deles - na verdade acredito que haja uma seqüência lógica, onde um leva ao outro - diz respeito à forma como percebemos o mundo à nossa volta. Em nossa jornada evolutiva, a vida adquiriu extrema complexidade onde lidar com as tarefas do dia-a-dia tornou-se um incessante desafio. Sozinho na tarefa de coordenar nossas ações enquanto nos mantém vivos, o cérebro vale-se de engenhosas artimanhas na tentativa de simplificar algumas dessas atividades.
Para trabalhar de forma eficiente - pois a quantidade de energia do corpo humano é limitada - o cérebro vale-se de atalhos. Ao deparar-se com o desafio de interpretar estímulos físicos originados nos cinco sentidos, ele busca maneiras de diminuir o esforço em identificá-los. Isto é conseguido através da associação desse estímulo com algo que já vimos antes (ou ouvimos, cheiramos etc.), com alguma experiência anterior.
Como todos temos várias experiências anteriores, o cérebro precisará decidir com qual ele irá associar aquilo que está percebendo no momento. Trata-se, assim, de um problema de interpretação. Considerando que tudo pode ter múltiplas interpretações, aquela que o cérebro escolhe representa, então, sua melhor opção. Essa escolha baseia-se, por sua vez, num encaixe quase estatístico que mostra a maior adequação de uma interpretação em relação à outra, dentro de uma das muitas categorias que ele tem armazenadas em seu vasto repositório de informações: a memória.
A percepção responde, assim, por boa parte da complexidade desse desafio, pois o modo como percebemos as coisas não é apenas um resultado do que nossos olhos e/ou ouvidos transmitem ao cérebro. Mais do que a realidade física de fótons ou ondas sonoras, a percepção é um produto do cérebro.
A figura ao lado, conhecida como Triângulo de Kanizsa , representa
um ótimo exemplo disso. Apesar de não haver um triângulo branco no
centro dela, você é capaz de enxergá-lo nitidamente, pois é a coisa
mais parecida com que o seu cérebro consegue fazer uma
rápida associação - a menos que você tenha sido um jovem na década de
1980 e passado longas horas em frente a um Atari jogando Pac-Man...
Se esse processo nos permite perceber e avaliar as coisas com mais rapidez e eficiência, por outro ela pode limitar nossas possibilidades
de enxergar a realidade, no sentido mais amplo do termo. Isso ocorre
pois a pessoa cujas experiências passadas forem pouco variadas, terá
menos alternativas para entender e classificar aquilo que seus sentidos
capturam.
A percepção é construída, portanto, através de um processo de aprendizagem que não está irrevogavelmente pregado ao cérebro. Ela é adquirida através da experiência e, sendo assim, pode ser constantemente reaprendida.
Mas como órgão preguiçoso que é, o cérebro só muda se for obrigado a
isso. Para tal ele precisa ser constantemente forçado a reaprender ao
ser confrontado com algo novo, pois novidade equivale a aprendizado, e
aprendizado significa reescrever fisicamente o cérebro.
Para reduzir os limitantes efeitos das experiências passadas em nossa percepção o ideal é bombardear o cérebro
com realidades diferentes, idéias novas, conceitos inéditos. Novidades
liberam os processos de percepção das amarras de antigas experiências e
forçam o cérebro a improvisar julgamentos.
Essa afinidade do iconoclasta com o novo
confere-lhe, assim, um enorme poder de renovação e ampliação das
categorias armazenadas em seu cérebro. Isso permite que um número muito
maior de associações possa ser feito e mais interpretações tornem-se
possíveis.
Resumidamente, a aguçada curiosidade
de um iconoclasta haverá de permitir-lhe expôr-se a um número muito
maior de estímulos que, por sua vez, criarão e enriquecerão seu
repositório de experiências. Com esse fabuloso arcabouço teórico,
prático e estético, o iconoclasta torna-se apto a questionar padrões,
buscar novas realidades, propôr mudanças, destruir crenças e criar um
mundo diferente do qual as pessoas acreditam.
O problema com a novidade, contudo, é que ela está fora da zona de conforto
da maioria de nós. Nem todo mundo sente-se à vontade ao sair de seu
mundo particular e conhecido, para embrenhar-se por caminhos onde nunca
esteve antes. O novo desperta o medo. E é exatamente a forma
como o iconoclasta se relaciona com seu próprio medo que torna-o tão
especial. Essa é a segunda característica do iconoclasta abordada por
Berns.
http://rodolfo.typepad.com/no_posso_evitar/2009/01/iconoclasta.html
Um comentário:
Oi André, obrigado pela reprodução do meu texto!
Um abraço, Rodolfo.
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