sábado, 10 de outubro de 2009

Iconoclasta

O termo iconoclasta deriva do grego eikonoklástes - aquele que destrói ícones. Sua origem está atrelada ao dogma religioso presente nos Dez Mandamentos, segundo o qual as pessoas não devem adorar imagens.Modernamente a palavra é empregada num sentido mais amplo, identificando aquelas pessoas que quebram regras, paradigmas, que fazem coisas que os outros dizem que não podem ser feitas. Esse é o tema do ótimo Iconoclast: a neuroscientist reveals how to think differently (Harvard Business Press, 2008).


O tipo de personalidade e comportamento característicos de um iconoclasta, da forma como Berns o define, compõe o perfil de um fora-de-série - ainda que a recíproca não seja verdadeira: ao contrário do fora-de-série, o iconoclasta não é, necessariamente, um sucesso de crítica e público. Ao menos não durante sua vida. O fora-de-série de Gladwell atinge um nível de realizações e reconhecimento enquanto vai compondo sua obra. Exemplos disso são outliers como Bill Gates, Pelé ou John D. Rockefeller.
Já os iconoclastas, apesar das grandes revoluções que possam ter operado em suas áreas específicas, ou até num contexto social mais amplo, não experimentaram ou não viram, obrigatoriamente, seu legado reconhecido.Exemplos muito claros disso são Howard Armstrong e Vincent van Gogh. Armstrong foi o criador, dentre outras coisas, da tecnologia de FM, cuja patente foi objeto de disputa durante mais de uma década, fato que levou seu criador à depressão e, posteriormente, ao suicídio. Já van Gogh dispensa apresentações e maiores explicações, uma vez que sua insanidade mental é, atualmente, tão inquestionável quanto a genialidade de suas obras.
  Grosso modo, Berns acredita que os iconoclastas enxergam o mundo de forma diferente dos reles mortais, em virtude de seus cérebros se comportarem de maneira atípica
Para Berns, o cérebro de um iconoclasta funciona de forma diferente dos demais em três aspectos básicos: Percepção, Reação ao Medo e Inteligência Social.
O primeiro deles - na verdade acredito que haja uma seqüência lógica, onde um leva ao outro - diz respeito à forma como percebemos o mundo à nossa volta. Em nossa jornada evolutiva, a vida adquiriu extrema complexidade onde lidar com as tarefas do dia-a-dia tornou-se um incessante desafio. Sozinho na tarefa de coordenar nossas ações enquanto nos mantém vivos, o cérebro vale-se de engenhosas artimanhas na tentativa de simplificar algumas dessas atividades.
Para trabalhar de forma eficiente - pois a quantidade de energia do corpo humano é limitada - o cérebro vale-se de atalhos. Ao deparar-se com o desafio de interpretar estímulos físicos originados nos cinco sentidos, ele busca maneiras de diminuir o esforço em identificá-los. Isto é conseguido através da associação desse estímulo com algo que já vimos antes (ou ouvimos, cheiramos etc.), com alguma experiência anterior.
Como todos temos várias experiências anteriores, o cérebro precisará decidir com qual ele irá associar aquilo que está percebendo no momento. Trata-se, assim, de um problema de interpretação. Considerando que tudo pode ter múltiplas interpretações, aquela que o cérebro escolhe representa, então, sua melhor opção. Essa escolha baseia-se, por sua vez, num encaixe quase estatístico que mostra a maior adequação de uma interpretação em relação à outra, dentro de uma das muitas categorias que ele tem armazenadas em seu vasto repositório de informações: a memória.
A percepção responde, assim, por boa parte da complexidade desse desafio, pois o modo como percebemos as coisas não é apenas um resultado do que nossos olhos e/ou ouvidos transmitem ao cérebro. Mais do que a realidade física de fótons ou ondas sonoras, a percepção é um produto do cérebro.
A figura ao lado, conhecida como Triângulo de Kanizsa , representa um ótimo exemplo disso. Apesar de não haver um triângulo branco no centro dela, você é capaz de enxergá-lo nitidamente, pois é a coisa mais parecida com que o seu cérebro consegue fazer uma rápida associação - a menos que você tenha sido um jovem na década de 1980 e passado longas horas em frente a um Atari jogando Pac-Man...
Se esse processo nos permite perceber e avaliar as coisas com mais rapidez e eficiência, por outro ela pode limitar nossas possibilidades de enxergar a realidade, no sentido mais amplo do termo. Isso ocorre pois a pessoa cujas experiências passadas forem pouco variadas, terá menos alternativas para entender e classificar aquilo que seus sentidos capturam.
A percepção é construída, portanto, através de um processo de aprendizagem que não está irrevogavelmente pregado ao cérebro. Ela é adquirida através da experiência e, sendo assim, pode ser constantemente reaprendida. Mas como órgão preguiçoso que é, o cérebro só muda se for obrigado a isso. Para tal ele precisa ser constantemente forçado a reaprender ao ser confrontado com algo novo, pois novidade equivale a aprendizado, e aprendizado significa reescrever fisicamente o cérebro.
Para reduzir os limitantes efeitos das experiências passadas em nossa percepção o ideal é bombardear o cérebro com realidades diferentes, idéias novas, conceitos inéditos. Novidades liberam os processos de percepção das amarras de antigas experiências e forçam o cérebro a improvisar julgamentos.
Essa afinidade do iconoclasta com o novo confere-lhe, assim, um enorme poder de renovação e ampliação das categorias armazenadas em seu cérebro. Isso permite que um número muito maior de associações possa ser feito e mais interpretações tornem-se possíveis.
Resumidamente, a aguçada curiosidade de um iconoclasta haverá de permitir-lhe expôr-se a um número muito maior de estímulos que, por sua vez, criarão e enriquecerão seu repositório de experiências. Com esse fabuloso arcabouço teórico, prático e estético, o iconoclasta torna-se apto a questionar padrões, buscar novas realidades, propôr mudanças, destruir crenças e criar um mundo diferente do qual as pessoas acreditam.
O problema com a novidade, contudo, é que ela está fora da zona de conforto da maioria de nós. Nem todo mundo sente-se à vontade ao sair de seu mundo particular e conhecido, para embrenhar-se por caminhos onde nunca esteve antes. O novo desperta o medo. E é exatamente a forma como o iconoclasta se relaciona com seu próprio medo que torna-o tão especial. Essa é a segunda característica do iconoclasta abordada por Berns.
http://rodolfo.typepad.com/no_posso_evitar/2009/01/iconoclasta.html

Um comentário:

++ Rodolfo Araújo ++ disse...

Oi André, obrigado pela reprodução do meu texto!

Um abraço, Rodolfo.