quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Quando os ativos intangíveis se tornam "atingíveis"

A gente sabe há muito tempo que as empresas (ou organizações de maneira geral) valem mais em função de seus ativos intangíveis do que de suas fábricas, seus equipamentos etc. Ou seja, tijolo e metal têm menos valor do que o talento, a criatividade, a inovação, a imagem, a reputação, a gestão de pessoas e de conhecimento, a marca e uma comunicação competente.

As empresas mais valiosas de verdade (não estamos falando daqueles rankings fajutos que abundam hoje na mídia, promovidos por veículos interessados em captar anúncios de empresas vaidosas, loucas para acumular selinhos e certificados) são aquelas que cuidam direitinho dos seus ativos intangíveis.

Mas o que são ativos intangíveis?

Os ativos intangíveis abrangem as competências diversas associadas a uma empresa ou organização, como as individuais (conhecimento, formação qualificada, profissionalismo, experiência, espírito crítico), as organizacionais (bancos de dados inteligentes, recursos tecnológicos, cultura, fluxos de informação, disposição para inovar, gestão ambiental, responsabilidade socioambiental etc) e as de relacionamento ou percepção pública (temos aqui a comunicação organizacional, o marketing, a imagem e reputação, a marca etc). Há também quem postule duas categorias de ativos intangíveis: os chamados ativos de geração de valor (marca, reputação, interação com os stakeholders etc) e os ativos protetores de valor (como a gestão de riscos e crises, a moderna governança corporativa e mesmo a segurança da informação, entre outros).

Pois bem, se é assim (e não há razões para duvidar disso), por que muitas empresas (ou organizações de maneira geral) são tão displicentes em relação aos seus ativos intangíveis? Por que jogam no lixo com facilidade a sua imagem ou reputação, desrespeitando os cidadãos, agredindo o meio ambiente, maltratando os seus funcionários e praticando uma comunicação tão precária?

Podemos tentar a resposta. Estas empresas ou organizações estão atrasadas no tempo, são dinossáuricas e estão apostando contra o futuro, imaginando que os seus prédios, os seus milhares de computadores e um número grande de funcionários (e de chefes) representam sua pujança, sua força no mercado. Terrível engano porque os paradigmas (não gosto do termo que anda desgastado, mas vá lá) se alteraram profundamente nos últimos anos e, ao que parece, estarão, de agora em diante, se modificando na velocidade da luz (há quem defenda a tese de que as empresas modernas são quânticas e não newtonianas). Haja movimentação, haja incerteza, haja necessidade de pesquisa, de planejamento e seja louvada uma comunicação competente, ética e pró-ativa!

As empresas não podem mais deixar seus ativos intangíveis ao "deus dará" porque correm sérios riscos de não sobreviverem aos novos desafios. Assim como os tufões , tsunamis e enchentes, que são cada vez mais freqüentes e intensos (em boa parte pela degradação do planeta movida pelo consumo desenfreado e pela ganância de empresas e governos predadores), as crises (algumas tsunâmicas como a que nos abate nesse momento) pipocarão com maior facilidade. A história demonstra que não são os maiores que sobrevivem (cadê os dinossauros?) mas os mais ágeis, os mais bem relacionados, os mais conectados, os mais democráticos, enfim aqueles que se adaptam com mais facilidade às mudanças. Os jacarés e até as baratas foram mais competentes do que os tiranossauros e esta é a lição que o mestre Darwin nos ensinou.

Uma empresa ou organização afinada com os novos tempos deveria saber que é preciso implementar, de imediato, uma gestão de crises e que ela deve incorporar fundamentalmente uma comunicação profissional, subsidiada por pesquisas, benchmarking de concorrentes, auditorias de comunicação, e sobretudo respaldada em atributos como o profissionalismo, espírito crítico, respeito à diversidade e à divergência, ética e transparência.

Estamos longe de atingir esse patamar. Assistimos todos os dias aos deslizes institucionais de organizações de peso, como a Petrobrás (não vai fazer falta no Ethos), a Vale (tão grande que, quando demite, demite em massa), a Aracruz (acreditar nos derivativos foi um papelão), Monsanto (a rainha do glifosato), para não falar da indústria tabagista e da Big Pharma, formidáveis vendedoras de drogas (lícitas, eu sei, mas que matam milhões de pessoas por ano em todo o mundo). E o que dizer das montadoras norte-americanas (a competência de gestão da GM americana é uma piada sem gosto) que têm uma governança de fundo de quintal e que vivem à custa das benesses de governos e de ameaças contínuas (chantagens) de demissão de funcionários? É verdade, uma outra montadora alemã também andou, recentemente, colocando em risco o dedo dos consumidores e todas elas, sem distinção, em sistema de rodízio, promovem recall toda semana ( a qualidade dos produtos é também um ativo intangível, mas elas não devem saber disso).

As organizações precisam rever os seus conceitos para que possam definitivamente entrar no século XXI. Chega de maquiagem (eta maldito marketing verde!), de estratégias de manipulação, de assédio moral aos funcionários (será que a AmBev está mudando também ou a gestão de pessoas por lá continua de pileque?), ou de prêmios agroambientais para mascarar o derrame contínuo de veneno (agrotóxico é veneno mesmo) e o monopólio de sementes.

Os ativos intangíveis de valor têm a ver com uma cultura não transgênica ("as monoculturas da mente", como bem acentua Vandana Shiva) e com a sustentabilidade assumida em todos os sentidos (ambiental, econômica e social). Eles devem estar associados a valores organizacionais que não colidem com o interesse público e não podem contemplar a sociedade e os funcionários, respectivamente, como meros consumidores ou simplesmente mão-de-obra (algumas organizações se esquecem que os funcionários pensam, sentem, sonham e adoram ser respeitados).

O pior, para uma organização, é permitir que os seus ativos intangíveis possam ser "atingíveis", ou seja, estejam na linha de mira dos grupos organizados, dos funcionários descontentes, dos consumidores irritados, dos ambientalistas autênticos e da sociedade civil que repudia tentativas de manipulação

Os ativos intangíveis têm que ser desenvolvidos, protegidos, proclamados, gerenciados com competência e criatividade. Parece fácil, mas não é. Tanto é verdade que empresas e organizações, de qualquer parte e de qualquer lugar do mundo, andam sempre levando na cabeça por terem, num determinado momento, deixado os seus ativos intangíveis num canto, entregues à própria sorte, como cachorros sem dono.

Se os ativos intangíveis são "atingidos", o prejuízo costuma ser enorme. Em alguns casos, o rombo é tão grande que não dá para recuperar, mesmo que a organização disponha de prédios suntuosos, decorados por obras de arte valiosas, muita pompa e luxo (vide Banco Santos). Tudo isso vale pouco, menos do que os seus proprietários imaginam. Quando os ativos intangíveis são golpeados, os demais ativos viram pó. E aí é um "deus nos acuda".

Fortaleça os ativos intangíveis da sua organização. Como diz o ditado popular: quem tem, deve cuidar (os bêbados sabem muito bem do que estou falando).


Fonte: Por Wilson da Costa Bueno, in portalimprensa.uol.com.br

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